domingo, 26 de setembro de 2010

Rio do Ramiscal

Não compreendo a discussão e os argumentos apresentados por algumas pessoas em relação à fauna  do Rio do Ramiscal!

Conheço e acompanho à cerca de 25 anos todo o Rio Cabreiro,que  a partir da aldeia serrana de Avelar passa a ser designado nas cartas cartográficas de Rio do Ramiscal.A partir daqui para montante faz parte integrante da ZPT do PNPG.

Conheço essencialmente porque sou amante da pesca de trutas e tive a felicidade de ter acompanhado verdadeiros mestres na arte de pescar trutas e verdadeiros conhecedores de paraísos  como este.

Na década de 80,quando ainda não se falava de plano de ordenamento do PNPG,já este rio estava como zona de pesca reservada gerida pela DGF e regulamentado pela lei  das Bases IV n.º1, XXIX n.º1 e XXXIII da Lei n.º 2 097, de 6 de Junho de 1959, e dos
artigos, 5.º e 84.º do Decreto n.º 44 623, de 10 de Outubro de 1962,que posteriormente foi   alterado pela Portaria n.º 449/2003, de 9/4) pode consultar-se  aqui.
Ora desde 1962 que o valor  do património truteiro deste curso de água já era reconhecido pelo então governo,vendo nele uma(e bem) reserva,onde devido á intensiva procura de pescadores,era necessário salvaguardar os recursos truteiros deste rio.Já nessa altura os responsáveis pelo documento salientavam o valor socioeconómico e turístico deste  curso de água.Na minha opinião o antigo regime nesta matéria estava á frente uns largos anos no que diz respeito à conservação e zelo do nosso património florestal.Se não vejamos:
  • Tinham guardas florestais em permanência e em locais estratégicos.
  • Tinham os guardas rios
  • Tinham uma legislação adequada e fundamentada.
  • Estavam e conheciam o terreno,não ficavam no conforto dos gabinetes.
O que me deixa triste e perplexo é ler afirmações não fundamentadas  de pessoas que me parece não conhecerem o terreno quando entram em acesa discussão em relação à fauna do rio do Ramiscal,chagando-se a apostar almoços em como existem trutas na sua bacia a montante de Avelar,pois a partir dai é que é considerado o Ramiscal. PuraPura "demagogia",sigo todos os anos atentamente o evoluir desta espécie após o violento incêndio de 2006 e nunca mais avistei um único peixe.

Afinal o que aconteceu?
-Logo após o incêndio de Agosto de 2006 uma violenta trovoada acompanhada de fortes chuvas abateu-se sobre o escarpado vale e as cinzas ainda frescas e altamente nocivas escorreram em enxurrada para o frágil ecossistema do rio do Ramiscal,arrastando a traz de si todos os seres vivos do Rio,provocando uma mortandade total.

Visitei o Ramiscal logo após a chuvada e a desilusão foi total,praticamente todo o giestal e Carvalhal Negral tinha desaparecido,regressei revoltado e impotente ao que vi e que tinha verificado,alertei e relatei os factos por email para o ICNB,PNPG,SPNA,os quais me responderam passados dias a agradecer a minha preocupação e que estavam ao corrente tudo.
Mais uma vez duvido que algum técnico se tenha deslocado ao coração da mata,para fazer um levantamento exaustivo da situação no terreno.Alertei para o facto de uma espécie indígena e autóctone como as trutas do Ramiscal,milenares também elas,terem desaparecido na sua totalidade de um lugar que está inserido na mais alta protecção do ICNB.
Lisboa respondeu amavelmente a agradecer,mas não pediu qualquer detalhe ou opinião sobre quem percorre consecutivamente estes lugares,talvez a opinião de pessoas que vêem o problema de fora e não tem formação académica na área não interesse nada!

Qual o meu interesse em ir a um local tão ermo e de infidelíssimo assexo?
-Simples,primeiro a procura de paz de espírito,o silencio da Serra,a contemplação da natureza ainda em estado puro,sem intervenção Humana,a possibilidade de encontrar várias espécies de aves de rapina que ainda habitam por estas paragens,o ficar sentado em cima de um qualquer penhasco e contemplar as varias fragas que compõe o Rio do Ramiscal.

Porque me interesso tanto pelas trutas  num lugar onde está proibido de todas as formas a sua pesca?
-Este rio desde miúdo que me fascina,comecei por pescar no lote 1,onde o rio corre calmamente em direcção ao Vez,para ao longo dos anos subir e explorar o lote 2 e ano após ano foi adquirindo conhecimentos e ouvindo  historias   das gentes locais,muitas de pastores que encontrava eventualmente na Serra,à cerca deste misterioso rio,onde me diziam que "truitas",como lhes ainda hoje lhe chamam,haviam-nas no Ramiscal como abelhas enchameadas. Nessa altura não era ainda proibida a pesca dentro do parque e ainda não tinham sido criadas as ZPT e a partir do fim da concessão,que termina na ponte pedonal em Avelar, era livre.
O problema era encontrar o trilho para ultrapassar uma enorme garganta e aceder ao coração da Mata milenar.Existem apenas duas entradas para este paraíso.Levei 12 anos a descobrir-las mas só apenas uma conheço na totalidade.Os pastores a quem eu perguntava,sempre me iam informando mais ou menos das entradas,mas nunca de disponibilizaram em acompanhar-me.Não é fácil um forasteiro adquirir confiança destas gentes Serranas, e eles tentam sempre guardar a preservar o que eles consideram seu território.

Este lote 2 é de tão belo como perigoso,está cheio de gargantas e fragas muitas delas intransponíveis,não tem trilhos nem carreiros nas suas margens,apenas escarpas.Detém ainda pouquíssimas trutas,talvez subidas do rio  Vez nestes anos que sucederam ao incêndio.Não pesco este troço à 6 anos,mas tenho ouvido relatos de algumas capturas.É urgente fechar esta ZPR(zona de pesca reservada)durante os anos que forem necessários para que a natureza reponha o seu normal funcionamento.

De facto era verdade,as trutas para alem da referida  garganta eram como moscas.Pesquei lá durante alguns anos sempre sozinho e mantive absoluto sigilo ate que o PNPG fechou esta área tal como o alto Homem e seus afluentes oriundos de nascentes em zonas de ZPT.

Concordo que se faça um repovoamento com trutas autóctones tiradas a jusante da ponte da EN de Cabreiros?
-É claro que sim,até porque se preservaria o património genético da espécie,que como todos os pescadores desta espécie sabe varia de rio para rio e tem fortes tendências a cruzar-se,tal como a própria adaptação ás águas.Nunca com indivíduos oriundos de outras zonas,como viveiros.Ficaria assim preservada a espécie sob a protecção do ICNB e PNPG,como reserva e património do Parque tal como acontece no Rio Vez a montante de Santo António Vale das Poldras até à nascente. Aliás,onde eu recentemente pode verificar em pleno mês de Agosto várias trutas em pequenos charcos,ou mesmo o Alto Homem a montante  da Barragem de Vilarinho da Furna até à nascente,onde eu também pesquei largos anos na década de 80.

Lote 2  visto do alto da Serra com as suas gargantas e fragas em pleno Verão.....reparem o tão difícil é chegar ao leito do rio,não há trilhos.....

 
Uma das muitas gargantas que compõem o Ramiscal......



O vale do rio em pleno coração do Ramiscal....

 
Coração da mata......muito poucos conseguem lá chegar....é o paraíso,a paz e a harmonia deste lugar não se consegue transcrever....
Lordelo ao fundo......
Do alto de um penhasco........
O Rio do Ramiscal já muito próximo da nascente.....de frisar que este Carvalho em primeiro plano esteve envolvido no incêndio e são notórias as marcas,mas são espécies extremamente resistentes e recuperam facilmente....mas o Rio esse está literalmente morto......


João Dias....fotografias de João Dias©